sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Rebeka Indirimível I

Artista: Takato Yamamoto

Rebeka indirimível


Conto da noite de todas as consagrações


Morava na casa de dois cômodos, onde enfiara todas suas coisas e ideias e planos. Eram livros e discos, eram pôsteres rasgados, eram quadros com cores as quais ela nem sabia dizer o nome.
Seus braços eram como folhas de caderno pautado, decorado de cicatrizes retilíneas e paralelas de cima à baixo. À beira do suicídio, num quarto sem janelas, onde seus bens e suas experiências se acumulavam juntamente com a poeira, e os pêlos - os seus e os do gato. Bichano amigo, trançando entre as bagunças, no calor infernal, entre as páginas escritas por Rebeka nas últimas madrugadas. O maço se encerrava junto com seu dia, e cada vez mais ela sabia, que seu  destino era morrer ali, e só. 
Incensos misturavam-se com lápis e pincéis e hashis. O som do pássaro mecânico suprimido pelo ruído suburbano, o sacolejo dos trilhos que se refletia nas fendas na parede, ao redor da única janela no outro cômodo, tais quais as finas veias azuladas que ela possui ao redor dos olhos.
Então ela foi visitada pela Ira.  Era como um rapaz de pele cinzenta e cabelos vermelhos, era como um grafite em brasa, chama que nunca se extinguia.  Ira fê-la odiar a tudo e a todos, derrubou seus pertences, rasgou fotos de parentes, fê-la culpar o exterior pelo insuportável calor, então amaldiçoou o Sol, e amaldiçoou os deuses e os demônios. Quando ela havia praguejado mais maledicências que a própria Ira conseguia se lembrar, um pequeno ninho de fumaça cinzenta saiu do sorriso de Ira. Lembrou-a: odeie a ti mesma, como odiou a todo o resto!
E é nessa ocasião, incendiada pela Ira, Rebeka toma a navalha mais uma vez, e mais uma vez torna a fendir a pele, da perna, das coxas; gritando enraivecida, confusa no seu alvo de ódio, odiando por odiar, ira cega e que não pode ser arrebatada. Excitado com o efeito de suas palavras, Ira fica completamente nu, revelando seus pés como de lobos, a despeito de sua auréola angelical. Rebeka se agarra voluptosamente à Ira, despindo-se igualmente, o corpo como uma seringueira vermelha, manchando de sangue o corpo firme e cinzento de Ira, que a beija com igual volúpia. 

Desejo obscuro. "Quando estamos juntos, você sabe, nós matamos" - sic Maldita.

Ira afundava suas unhas escuras na carne de Rebeka, onde já estava ferido, e ela grita, de raiva e prazer. Eles se agridem, a carne apodrece, e ela gosta. Cópula de desejo obscuro, com as carnes interiores ardendo como em brasa. Tingido de sangue, Ira excita-se muito mais rapidamente - mas diferentemente dos humanos, Ira jamais atinge o gozo, pois sua natureza é alimentar cada vez mais o rancor que o excita.
Após a cópula maldita, deitam-se lado a lado sobre o colchão da cama já sem lençol, da cama que antes estava abarrotada de livros, estes que já estavam pelo chão, juntamente com peças de roupas.  
Rebeka desperta primeiro, como que de susto, ao se deparar com a criatura que cochilava ao seu lado - passou a mão entre as pernas e constatou a evidência de coito - e odiando-se e odiando a Ira, pegou a lâmina que antes usaria para se cortar e, com um punhado de golpes e um grito seco e estridente, certificou-se que havia matado Ira. 
Ficou admirando sua obra, os cortes fundos e o sangue vermelho e quente que pulsava do resultante de cada um dos golpes. Ela mal podia acreditar, então enfiava o dedo em cada uma das feridas, para certificar que eram mesmo fundas e reais. Após, lambia os dedos, e sentiu o amargo sangue inebriante da criatura, revirava os olhos de prazer. Sentou-se sobre o cadáver, que, embora nesta condição, não tardou em surpreendentemente despertar. Ria-se com alguma dificuldade, e Rebeka já quase deu um pulo pra trás, quando sentiu a convidativa ereção tocando sua bunda, mudou de ideia. Ira não estava tão morto. Ele parabenizou-a e disse que adoraria que ela repetisse, cada assassinato de maneira mais e mais violenta. E ele ria como um maluco, e ela estava assustada, mas ria de nervoso. 

"Eu não sou um demônio, tampouco um anjo/Eu me alimento do seu desejo, seu desejo, mais obscuro desejo/E quanto mais perturbada e fragmentada e problemática é a sua alma, maior meu regojizo!" - Ira cantarolava, enquanto movia o quadril de Rebeka para frente e para trás, sentindo-a ficar excitada. A cópula aconteceu mais uma vez, mais fácil, com um prazer ainda mais intenso. À medida que as feridas de Ira iam se fechando, com mais alegria e urgência Rebeka abria novas fendas, com seu sangue misturando ao dele  (e que o seu até parecia mais frio). Ela própria começou a rir como maluca, sentindo aquele orgasmo infinito que o ser era capaz de proporcionar, ainda que estivesse com o rosto todo cortado.
"Como uma cobra, como um parasita/Estar ultra-presente no seu corpo me excita..."

4 comentários:

Ariela disse...

Isso me lembrou vc sabe quem......
Quando eu fui encontrá-lo eu tava toda "lenhada" e imaginei que estranho seria se ele estivesse também......
E Estava!
E então o "negão" me perguntou me perguntou se eu tinha tatoos.... eu simplesmente respondi que não... mas na minha cabeça eu pensei: "Não tenho tatoo, mas tenho um monte de coisa escrita" ... e não respondi isso em respeito ao primeiro ser bizarro de pele branca e cabelos pretos..... Apesar que a "quarta parte", já sabia de tudo........

Vanessa St. disse...

Quarta parte? Esse eu não captei... Mas eu gostei desse encontro, quem sabe sem coincidência, não reflete em algum conto?

Ariela disse...

A quarta parte era o quinto membro, mé a quarta parte pq estávamos em 4 no quarto do hotel nesta hora.

Ariela disse...

*mas é a quarta