sexta-feira, 25 de julho de 2014

Cold Hands

Artista: Apollonia Santclair
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Amanheço com Massive Attack, aroma de chá preto preenchendo o quarto, apenas um brilho pálido da aurora entra por uma fresta da cortina púrpura sobre a janela.

Ainda estou me lembrando de alguns detalhes, que poderia fixar na minha Capela da Libido Reprimida, como promessas que se fazem para santos pregando junto dos falsos ídolos de cerâmica, um molde da tal parte do corpo, feita de cera ou gesso. Esta era uma imagem que me fascinava e aterrorizava em certos templos quando eu era mais nova, mas agora acho que compreendo. E tal medo e fascinação, a mesma energia que me pressionava, proveniente do seu olhar mórbido e seu falar arrastado.
Das muitas páginas que li, tentando entender o que se passa aí dentro, um rapaz tão silencioso que se torna, ao abrir o livro, alguém cujo olhar tem tanto a dizer. Está tudo nessas páginas? Gostaria de saber o que esses olhos têm a dizer.
Quase um personagem, sentado na cadeira de aço preto, a tinta desgastada. Seus cabelos muito escuros, lisos de um jeito estranho, um corte que me faz lembrar de personagens de mangá. Se não fosse pela marca da barba de muitos anos, te tomaria por um garoto de 17 anos. Doce e lúgubre.

Seu corpo esguio. Mãos finas. Olhar cansado. Rosto pálido, pálido como essa aurora que preenche meu quarto. Sinto o desejo preencher meu corpo, logo minha fenda está úmida de desejo. Minhas mãos geladas escondiam de verdade o desejo ardente, que nunca compreendi, de tocar seu rosto, e de tocar seu torso cheio de marcas de cortes. Deitar meus cabelos como um mar de sangue sobre seu peito liso, enquanto sorvo os sabores do teu sexo. Sentir a barba por fazer arranhando meus seios, enquanto cravasse suas unhas nas minhas costas, nas minhas coxas, e nádegas. O contraste dos tons da nossa pele, da textura dos nossos cabelos. Arrastando-me para perto de você, qual fusão que não sinto há muito tempo.... Á medida que aumentassem meus gemidos, mordiscava-me a pele, como um demônio faminto, onde somente o torpor da alma entregue à luxúria nunca é suficiente. Tentaria memorizar o meu perfume, e eu memorizaria o seu; e do mapa no seu corpo onde minha língua passearia, a topografia de suas cicatrizes gravada sob meus dedos. O desejo, onde se cava, enterra: seus dedos longos entre as minhas pernas. Enlouqueço como febre, transferindo com minhas unhas para a sua pele, numa caligrafia incompreensível para quem nunca sentiu tal tesão um dia, uma descrição detalhada de todos os orgasmos que viriam. Um conto erótico tangível - de onde verte sangue real, em minha pele e na sua -, selado com um beijo pecaminoso: "Me deixa entrar".
O serafim Maldito, enfim, para testar minha fé, investe agressivamente em meu "coração" com sua lança dourada em chamas, enquanto crava ainda mais profundamente suas unhas e seus dentes; fazendo-me desejar por pecados ainda maiores.
Eu o ouço gemer, e enquanto tento conter meus próprios gritos; numa sinfonia pornô - seu dó e meu fá sustenido: Goza comigo, goza comigo, goza comigo.
Tão avassaladora a dor e o prazer excessivos, que não conseguia desejar que acabasse. Mania, mania.
Chegando ao limite do suportável, parece que a esse passo tudo é permitido. Compreendo que ali a escuridão se torna cada vez mais doce, e o "doce e lúgubre" se torna cada vez mais pervertido. Mais uma vez a violência presente, no entrar e sair da lança flamejante, nossas entranhas parecem se tornar viscosas devido à embriaguez da matemática álcool+drogas+tesão, se misturando, seria o sexo apenas ilusão?
Não há tempo para pensar em resposta, o cérebro parece estar ligado apenas pra processar toda aquela adrenalina, ocitocina, e a serotonina também.
O êxtase inefável chega, fazendo-o perder o controle dos seus movimentos, a pélvis movendo-se por instinto, enquanto minhas pernas enlaçavam nas suas pernas, forçando seu membro mais e mais fundo dentro de mim. Uma das suas mãos guiando meus quadris, a outra deslizando da minha nuca para as minhas costas; as minhas prendem-se nos seus cabelos, nos seus ombros..e numa sequência de arranhões marcando ambas costas, o orgasmo selvagem transforma os movimentos num espasmo ainda mais forte e descontrolado, você tem suas mãos em torno do meu pescoço... Um urro, um suspiro, e há seu gozo dentro de mim e em minhas coxas e escorrendo viscoso, entre minhas pernas. O desejo, onde se cava, enterra.

Vinho forte, como seu olhar sobre meu corpo nu, exausto, caído como sem vida em seu lençol. Está degustando o vinho, e eu me torno por um minuto uma presa fácil, aguardando seu ataque. Massive Attack. O relógio estava parado, e eu que estivera tão viva dois minutos atrás, parecia agora "morta para nunca mais", para seu próprio deleite. Do meu beijo de rainha-aranha, você jamais despertaria, sem perceber, firmemente preso em minha teia de predador.

(Não compreendo porque sempre tentei refrear esse desejo, porque eu não pude fazer brotar minhas paixões de uma fonte comum. Observava com certo desânimo a maioria das jovens ninfas fazê-lo, mas do teu cálice quis me manter afastada, por motivos de evitar o desgaste ao desejar o obviamente inalcançável.)

Só queria saber quem você é por dentro.


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